Ainda vamos sentir saudades de não ter horas para acordar...

   Há muito que queria escrever sobre como me tenho sentido desde que este pesadelo começou… tendo a consciência de que para muitos vai ser ignorado exatamente da mesma forma como ignoram toda a informação que vos é transmitida.
Comecemos do princípio, quando as primeiras noticias do Corona Vírus começaram a surgir confesso aqui perante vocês que fui das pessoas mais céticas relativamente a tudo isto, nunca fui em alarmismos e para mim isto era apenas o início de um negócio que não nos iria beneficiar a nenhum de nós bem pelo contrário…segui com a minha vida normalmente, continuei a trabalhar sabendo que a minha profissão atual estava num dos grupos de maior risco ainda assim e tentando ficar indiferente às noticias que surgiam continuei o meu dia a dia… até chegar o dia em que Portugal estava na boca do mundo sem saber o que dizer e como atuar. Relembro que no primeiro dia em que foi decretada Pandemia os portugueses invadiram a Praia de Carcavelos como se nada tivesse acontecido quebrando todas as orientações que há poucas horas tinham sido dadas num momento crítico para a Saúde Pública e nesse dia a minha visão mudou radicalmente e o sentimento que tomou conta de mim foi de indignação perante o que estava a assistir. Inacreditável e assustador.

   A partir desse momento as notícias que saiam eram cada vez mais assustadoras e as diretrizes que nos foram transmitidas eram simples e claras: evitar ao máximo sair de casa, evitar espaços públicos e a importância da higienização tudo isto para evitar uma maior propagação do vírus e nesse momento a nossa vida começou a ser posta em risco. Iriamos deixar de trabalhar? E as escolas não fechariam? E as nossas contas? A desordem começou nesse momento porque o futuro estava-se a mostrar tudo menos bonito. A nossa vida estava a mudar do dia para a noite e não sabíamos o dia de amanhã…
Foi decretado Estado de Emergência e de olhos molhados e de mãos unidas ouvi tudo o que o Presidente tinha para nos dizer e naquele momento a ficha caiu "Isto é mesmo muito grave". No fim de semana seguinte senti um tremendo orgulho no nosso Portugal porque o silêncio tomou conta das nossas ruas, não se via viva alma nas estradas, as lojas começaram a fechar e parecia estar tudo a correr como era suposto (finalmente, pensei eu) mal sabia eu que esse orgulho duraria apenas um fim de semana!

   Quero que entendam de uma vez que isto é uma luta de todos, do eu por ti e tu por mim, do juntos somos mais fortes, do sozinhos vamos mais rápido mas juntos vamos mais longe. Quero que entendam que estamos TODOS no mesmo barco, neste momento as nossas vidas estão todas paradas, continuas a achar que é só a tua? Achas que és só tu que tens filhos, colégios para pagar, casa, comida para pôr na mesa, contas para pagar? Estamos mais uma vez TODOS na mesma dificuldade, o que ainda não entendemos é que se respeitássemos as ordens que nos foram aconselhadas que o Vírus não tinha por onde se propagar e que regressaríamos mais rapidamente às nossas vidas. Parece que só alguns estão interessados em que isso aconteça…

   Confesso que estou indignada, revoltada, triste com a atitude de muitos portugueses que têm demonstrado uma indiferença, uma falta de civismo, de consideração, empatia e respeito para com o outro que é incrível. Não falo do egoísmo no que toca a alimentação porque é simplesmente desumano. Que sociedade é esta em que uma Pandemia não assusta? Que sociedade é esta em que a morte de alguém não mexe connosco? Chegámos a um ponto em que a dor e o sofrimento do outro já não importa nada e quando chegamos a este ponto então nós é que precisamos de ajuda porque temos as nossas prioridades trocadas. Se depois de tudo isto não nos tornar-mos pessoas melhores então não aprendemos rigorosamente nada e a pandemia somos somente nós. 

   Perdoem-me a franqueza que já me é conhecida mas expliquem-me a lógica de irmos bater palminhas à janela para homenagear os enfermeiros/médicos e afins se no dia a seguir as nossas atitudes continuam a ser de puro desrespeito (não falando já no resto do ano certo?)? Para que cantamos o Hino Nacional se nem sabemos vestir a camisola do nosso País de alma e coração num dos momentos mais difíceis? O tempo passa mas há coisas que não mudam e infelizmente a falta de noção de algumas pessoas é a prova disso. Lamento que assim seja!
Foi nos pedido uma única coisa: FIQUEM EM CASA!
Continuo sem entender e desculpem se não entendo qual é a grande dificuldade de algo tão simples… pela primeira vez na nossa história podemos salvar a humanidade deitadinhos no nosso sofá sem fazer absolutamente nada e ainda assim há gente que não o sabe fazer.
Passamos a vida toda a queixarmo-nos do nosso trabalho, do trânsito diário, dos dias longos, do cansaço, dos dias que deviam ter 48horas, da falta de descanso, da falta de tempo para estar com os nossos filhos, de não conseguirmos fazer coisas que gostamos por falta de tempo, todas as nossas queixas se baseiam no tempo e agora que nos é dado esse tempo (ainda que seja forçado) não o queremos…não sabemos o que fazer com ele, não queremos estar em casa quando todos os dias estamos desejosos de lá chegar. Somos de facto um povo muito insatisfeito. Entendo perfeitamente e deixo aqui o meu louvor a todas as famílias que estão em casa com crianças, sei bem o quanto pode ser difícil porque também elas precisam de gastar energias e que para os pais é esgotante mas todo este esforço é necessário para que os nossos também estejam em segurança e talvez agora tenham a noção do quanto mal pagas são as Educadoras, Auxiliares e Professores (isso era outra conversa).

   Passemos aos ENFERMEIROS/ MÉDICOS/ AUXILIARES e toda a EQUIPA QUE FAZ UM MEIO HOSPITALAR FUNCIONAR que ao longo do ano são bestas quando reivindicam por direitos e condições dignas do seu trabalho mas que agora são bestiais merecendo palmas das janelas porque são heróis… permitam-me afirmar que eles sempre o foram, em todos os momentos, em todas as fases e não só em épocas de crise, tenho pena que não consigamos ver isso o resto do ano, sempre mereceram as greves que foram feitas porque a missão deles é bem maior que as condições que lhes são dadas. Estão agora a pôr todos os dias a sua vida em risco para que nós andemos a passear pelas ruas, hipermercados e afins. Muitos deles estão a fazer 2 turnos seguidos, a rodar por especialidades porque estão como os 3 mosqueteiros 'Um por todos e todos por um', equipados com toucas, óculos ou viseiras, avental, batas impermeáveis, proteção de pés, luvas de cano alto, luvas limpas e ainda com escafandro que para quem não sabe é muito semelhante a uma burca tudo isto durante horas e horas a fio em que o conforto não é de todo a palavra certa, referindo ainda o tempo e a paciência que têm de ter para se equipar de forma correta e segura e retirar tudo no final do turno de forma a não ficarem contaminados.


   Não têm acesso ao seu telemóvel pessoal (pelo risco de contaminação) usando-o apenas nos raríssimos momentos de pausas que conseguem fazer para saber se os filhos estão bem, esquecendo-se ainda da suas próprias necessidades fisiológicas porque o tempo de pausa é curto e há escolhas a fazer para esse tempo. 
Muitos deles foram obrigados a deixar as suas casas, as suas famílias para se entregarem a cada um de nós, ficando assim em pousadas, hotéis, casas que foram oferecidas para o seu descanso e segurança e quando chegam a 'casa' não têm o colo de ninguém, não têm o seu sofá para deixar cair o corpo exausto, um beijo do filho que cura todas as dores físicas e não têm um marido/mulher à espera para ouvir o seu dia e possivelmente limpar as suas lágrimas porque o dia foi desgastante. Podemos pensar em tudo isto no resto do ano? Eles escolheram a profissão à família e nós estamos a escolher dar-lhes trabalho ao invés de ficarmos em casa. Recordo que muitos destes profissionais de saúde já estão infetados e que se isso continuar a acontecer não teremos quem cuide de nós da mesma forma. É nossa obrigação protegê-los. A todos os profissionais de Saúde MUITO OBRIGADA NÃO HOJE MAS SEMPRE, VOCÊS SÃO ANJOS DE TODAS AS HORAS.



   Passemos aos TRABALHADORES quer de hipermercados, transportes, farmácias, lojas e FORÇAS DE SEGURANÇA que são obrigados a exercer as suas funções para que nós inconscientes continuemos irracionais, egoístas e provoquemos quase um apocalipse com toda a nossa ganância. Com toda a certeza não estamos preparados como sociedade para algo de maior proporção porque na primeira oportunidade somos nós que causamos o fim do mundo como animais selvagens em época de escassez de alimento que nunca foi o caso… esquecendo mais uma vez que o nosso umbigo não é o centro do Universo, esquecendo que há pessoas que não têm o mesmo poder de compra ou forma de o fazer e acreditem que chegar a um supermercado e as prateleiras estarem TODAS vazias dá um aperto no coração e um sentimento de impotência quando alguém mais velho se calhar só precisaria de 1 litro de leite ou de legumes para uma sopa. Onde está a preocupação pelo próximo? O cuidado para com o outro? É o egoísmo que reina…Quando é que espalham um vírus de amor e de empatia? Estamos mesmo a precisar. 

Esquecemo-nos ainda das pessoas que estão a arriscar muito para nos conseguirem garantir serviços de bens essenciais sem quaisquer proteções e que também eles podem passar o mesmo para outros, que nos aturam porque o nosso respeito, paciência também estão em crise e não é de agora, é uma impaciência que mete medo, uma arrogância que só nos faz pensar que futuro estamos a criar…talvez esses profissionais dessem tudo para estar no conforto do seu lar de cú alapado no sofá com os seus familiares mas estão ali com um sorriso enquanto assistem a toda esta peça de teatro em que muitas vezes termina com má educação e imprudência. A todos os que se queixam todos os dias por estarem em casa aproveito para relembrar que em breve iremos todos trabalhar no duro e em dobro para recuperar o que estamos a perder e que nesse momento vamos sentir saudades deste tempo. Portanto aproveitem este tempo e reinventem-se e tentem ser pessoas melhores, faz falta!

   E para terminar e num modo agora muito particular quero agradecer a quem cumpre a quarentena, a quem pensa não só em si mas em todos ao seu redor, quero agradecer a todos os músicos, bailarinos, desportistas entre outros que a troco de nada nos ocupam as redes sociais com atividades que mudam o nosso dia, aos que vão para a varanda cantar para alegrar vizinhos, a todos os que dão aulas para que nos possamos manter ativos em casa, a minha esperança está em vocês que nos abraçam ainda que de longe. O medo é contagioso mas a esperança também e as pessoas tem medo de mudanças mas eu tenho medo que as coisas nunca mudem e só vamos ficar todos bem se cada um fizer o seu papel. 

Muito Obrigada
A vossa Miúda do Saco 

Comentários

  1. Ola Boa tarde Andreia. Também eu à muito que não te respondia a um comentário do teu blog. Começo por dizer que concordo contigo em todos os comentários que proferiste, numa base em que o Tuga nunca conseguira ser correcto e positivo nos momentos difíceis. Para não me alongar muito agradeces te e muito bem a todos aqueles que apesar da pandemia que nos assola, vai para a linha da frente. Eu como doente de risco ( Colite Ulcerosa ) cá estou em serviço nas Forças de Segurança que te esqueces te de nós :( . Era somente isto que queria frisar, nós também estamos na Linha da Frente, Bjs para ti cuida te
    Rui Pinheiro - Olhão

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