Uma ostomia, milhentas mudanças e uma vida!

   Sabemos que até chegar à cirurgia, há alguns patamares por onde temos de passar sendo a cirurgia o último recurso e só é feito em casos de extrema necessidade. Os portadores procuram a remissão, eu procurei a cirurgia. Nenhum portador quer ouvir falar nela e arrepiam-se só de pensar. Por vezes e sendo a última alternativa é a única forma de conseguirmos sobreviver e recuperar a qualidade de vida. Ficar ostomizado não é fácil, mas não é o fim do mundo, é o inicio dele. Fim do mundo é ficarmos reféns de uma casa de banho, de um kit de emergência, de fraldas e de toalhetes 24 sobre 24h. Fim do mundo é ficarmos cegos, sem um membro ou simplesmente em estado vegetativo. Isso sim pode ser o fim do mundo.

     Quem transporta consigo um saco sabe do que eu vou falar...

A primeira abordagem não é fácil, viver com um saco de cocó atrelado à barriga a passear por todo o lado não é o plano de vida de ninguém, bem, foi o meu mas porque tinha a noção de que iria para melhor, a qualidade de vida era o objetivo, sobreviver também. Quando vi a vida a passar por entre os meus dedos como grãos de areia percebi que tinha de agir rapidamente. Ainda é desconfortável acordar a meio da noite pronta a entrar no banho porque a placa descolou ou o saco rebentou mas nada se compara a acordar de 5 em 5 minutos e correr para a sanita ou desistir e passar a noite lá sentada, as feridas na pele também não são agradáveis mas o rabito assado também não era nada bom...estar a fazer a higiene e o bicho (estoma) estar hiperativo também nos tira a paciência e leva-nos ao limite, no caso das colostomias o cheiro é muuuuito intenso, nas ileostomias estamos safos desse pormenor. Temos a obrigação (e não é nada fácil) de mastigar milhentas vezes devido à péssima absorção que temos. Fora estes pequeninos pormenores, ter um saco é uma alegria. Ora vejamos:

-As corridas para a casa de banho acabaram!

-Temos a proeza de ficarmos multifuncionais: fazemos cocó enquanto limpamos a casa por exemplo;

-Fazemos em qualquer lado e em qualquer circunstância...em qualquer mesmo;

-Poupamos no papel higiénico, em contrapartida gastamos em ambientadores e sacos de despejo;

-No inverno não gelamos o rabo na sanita durante a noite em que a alma quase nos sai do corpo;

-As macumbas de 'Vai te dar uma caganeira' connosco já não resulta...inventem outra;

-Em reuniões chatas, situações menos boas, salas de aulas ou exames podemos sempre abrir o saco, deixar sair o ar e provocar o caos...acreditem faz milagres;

-Não precisamos de andar armados, em caso de emergência retirar o saco e mandar;

-Recuperamos a nossa vida totalmente;

Se entretanto se lembrarem de mais alguma digam que eu incluo na lista!

O meu processo não foi fácil, mas digo de boca cheia que passaria por tudo novamente, porque não há nada que pague a liberdade de conseguir sair de casa sem qualquer medo, sem qualquer par de cuecas na mala, sem o stress de ter uma cólica e não ter tempo sequer de reagir. A ostomia foi o início da minha 2ª vida!