Perguntam-me como é viver com um saco de cocó atrelado a mim - é literalmente isto, não vamos estar com mariquices - e eu digo que se torna o apetrecho mais normal que possam imaginar. Faz parte de mim, há quem tenha de usar lentes de contacto, depender de uma moleta ou outra coisa qualquer, a minha vida depende deste saco. Não se vê o conteúdo, não se sente qualquer odor... Olhem é bem melhor que acordar às tantas da manhã e gelar o cú na sanita nos dias de frio.
Ser portador de uma Colostomia, Ileostomia ou Urostomia é um choque, vou ser direta: poucas são as pessoas que estão preparadas para tal mudança na primeira abordagem, quer na sua vida como na sua imagem corporal. Esse é o maior choque, acordar da cirurgia e termos um novo 'brinquedo' para tomar conta...onde não fazemos a mínima ideia de onde se liga ou desliga e como tudo funciona. É tudo novo, tudo mesmo. É um aprender e outro renascer. Cada pessoa é diferente, no meu caso demorei dois dias para conseguir olhar para o estoma com olhos de ver, não sabia que não doía ao tocar, como é que lhe poderia mexer, e se poderia fazer alguma asneira.
Valeu-me a curiosidade, sempre fui curiosa com tudo à minha volta, e procurei saber tudo de imediato. Ouvi cada passo, cada explicação com a máxima atenção - a que era possível naquela altura - e comecei a experimentar sozinha, depois lá iam os enfermeiros ajudar, a paciência nunca foi o meu forte. Ver o aspeto, a textura, os movimentos do estoma...parecia uma protagonista de um episodio qualquer da Anatomia de Grey e sentia me uma exploradora e cuidadora de estomas. A mudança em si não foi difícil, mas o meu corpo demasiado magro não ajudava na aplicação das placas. Nada colava, nada aguentava....maldito esqueleto andante.
Na primeira noite em casa, tive de trocar a placa e o saco doía me imenso a descolar a placa da pele, cada descolamento era uma lágrima a cair, o estoma estava bastante divertido e funcionante, a pele em ferida, ardia mais que o inferno, as placas não colavam...fonix...nessa noite liguei aos enfermeiros em desespero. Passado um mês e meio das cirurgias, aquela foi a primeira noite em que percebi que ia mesmo viver com todo este processo para sempre, e foi também nessa noite que a ficha caiu. Chorei por todo o tempo em que não o fiz enquanto dizia 'eu não vou conseguir', mas bastou-me, porra estava a ser idiota, tinha um exemplo bem mais novo em casa e que fazia tudo sozinho, acorda Andreia! No dia seguinte estava pronta para o que viesse.
A confiança que tínhamos anteriormente no nosso corpo desaparece por momentos, e é preciso trabalhar o psicológico para o aceitarmos, não é fácil, mas há situações bem piores. Não é um drama, não vamos ser infelizes por causa de um corpo quando somos bem mais que isso.
No meu caso como já não estava satisfeita com ele antes (hoje vejo que o adorava), não me fez diferença alguma....pelo contrário, aprendi a gostar de imediato e aceitei sem criar muita guerra. E se hoje me perguntarem, não tenho qualquer tipo de complexos, não me interessa minimamente se tenho as pernas mais gordas, a barriga mais saliente, o peito mais descaído. Não me interessa.
Quando passamos por algo onde quase lá ficámos, vimos as coisas de outra forma, e não é cliché...é a realidade, quero lá eu saber se tenho celulite no rabo com estrias fluorescentes, eu quero é ser feliz, conseguir andar, sair de casa e viver.
Podemos fazer tudo como antes... podemos nadar, podemos ir à praia, podemos ir ao cinema, ao teatro, e podemos rir até doer a barriga... podemos ter relações sexuais e andar no carrossel da feira de verão. Podemos tudo, com cuidados e precauções. Mas podemos!
Não adianta remar contra a maré, só nos cansamos...é bem mais vantajoso boiar no assunto e deixar a maré nos levar ao rumo certo !
E tu? Imaginas o teu corpo com uma ostomia?
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